Há exatos 50 anos, Minas Gerais se tornava protagonista da história que mexeu e ainda mexe com a ciência mundial: a descoberta dos restos de Luzia, um dos esqueletos mais antigos já encontrados nas Américas.

 

Robson Santos / Sisema

Foi em 1974, na região de Lapa Vermelha, em Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), que os primeiros ossos de Luzia foram achados, durante as escavações lideradas pela arqueóloga francesa Annette Laming-Emperaire.

Meio século depois, o local tem a proteção do Instituto Estadual de Florestas (IEF) e atrai pesquisadores do mundo todo.

Desde a descoberta, o espaço permanece intocado e é parte da Unidade de Conservação (UC) Monumento Natural Estadual Lapa Vermelha, composta por vários sítios arqueológicos em uma área de 33,7 hectares.

“A principal proteção é a restrição de visitas a pesquisadores e estudiosos, além do cercamento para evitar a presença de animais de grande porte por aqui”, comenta o gerente da unidade, José Roberto da Costa.

Localizada em uma propriedade particular, parceira do IEF, a unidade autoriza as visitas técnicas, somente com acompanhamento do instituto, para a segurança do sítio arqueológico.

O local possui ambientes intactos, pinturas e gravuras espalhadas em suportes rochosos, como testemunhos da memória pré-colonial.

“A descoberta de Luzia é um dos marcos da arqueologia, e representa o contexto do povoamento do nosso continente”, comenta o arqueólogo do IEF, Leandro Vieira.

 

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Descoberta

Atraída pelos achados de Peter Lund em Lagoa Santa, no século 19, e também pelas pinturas rupestres da região, a francesa Annette Laming-Emperaire liderou, na década de 1970, a missão Franco-Brasileira, com aproximadamente 25 arqueólogos, para escavar Lapa Vermelha.

O arqueólogo francês e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), André Pierre Prous, participou desse trabalho.

“A região foi escolhida pela perspectiva de se encontrar ali as coisas intactas e preservadas, graças ao tipo de solo e a pouca ocupação do lugar”, conta Prous.

Ele relata que o trabalho foi autorizado com a condição de se tornar uma escola de escavação para arqueólogos no Brasil, já que não havia tantos profissionais no país naquela época. Participaram pessoas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Espírito Santo, entre outros.

Robson Santos / Sisema

Em 1973, a equipe localizou as primeiras pinturas rupestres, que chamaram a atenção da arqueóloga francesa.

“Em 1974, encontramos os primeiros ossos da Luzia como braços, bacia, pernas. Eles estavam espalhados pelo sítio arqueológico”, relembra Prous.

O crânio foi achado em 1975, em uma cavidade mais profunda. Estima-se que Luzia viveu na região há cerca de 11 mil anos.

A mulher Luzia

Luzia foi identificada como uma mulher jovem de 20 anos, encontrada sem outros vestígios humanos e próxima a uma cavidade, sem uma explicação clara para sua morte. 

“Ela pode ter fugido de alguma coisa, pode ter se escondido de algo. Não tem marcas nos ossos que indiquem que ela fugiu de uma fera. Mas o motivo é irrelevante em termos de reconstituição do povoamento das Américas”, diz André Prous.

Por outro lado, uma das hipóteses para a vida dessa mulher, segundo Leandro Vieira, é a de que “ela pertencia a grupos nômades, chamados de caçador-coletor, um tipo de sociedade que vivia exclusivamente da caça, coleta e pesca, sendo muito dependentes da natureza”.

De acordo com Prous, uma das maiores contribuições da Luzia “foi ter ajudado a aumentar o interesse pela pré-história brasileira, por ter cunhado uma figura icônica, facilmente lembrada por todos”.

 

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Crânio

O crânio de Luzia ficou guardado por 20 anos no Museu Nacional do Rio de Janeiro, instituição parceira da missão Franco-Brasileira.

Em 1995, os cientistas começaram a estudar a morfologia do esqueleto e, em 1998, pesquisas do bioantropólogo Walter Neves revelaram que as características do crânio lembravam as dos atuais africanos e aborígenes da Austrália.

Walter Neves foi quem batizou Luzia, em homenagem a Lucy, esqueleto de 3,5 milhões de anos achado na Etiópia, em 1974.

Em 1999, o antropólogo forense britânico Richard Neave fez a reconstrução artística do rosto de Luzia, com traços negroides.

A peça estava no Museu Nacional quando a instituição pegou fogo, em 2018. No entanto, 80% dos fragmentos foram reencontrados pelas equipes de resgate. Atualmente, há uma réplica de Luzia no Museu de Ciências Naturais da PUC Minas, em Belo Horizonte.

Apesar de a imagem de Luzia, com traços negroides, ser popularmente conhecida, novos estudos, com base em técnicas de arqueogenética, abrem a discussão para outras teorias sobre a origem de Luzia.